“Nós desmatamos para sobreviver”, diz o agricultor Aurelio Andrade em um ponto remoto da Floresta Amazônica , enquanto as chamas consomem a propriedade de seu vizinho. A 120 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia, este homem de estatura baixa e compleição robusta vive a sua própria batalha, alheio à crise política e diplomática gerada pelo avanço das chamas na maior floresta tropical do mundo .
Os incêndios ganharam tamanha proporção que a fumaça já tem alterado a rotina de Porto Velho. No Hospital Infantil Cosme e Damião, famílias fazem fila para receber atendimento médico em razão dos problemas de saúde causados pela fumaça .
Com poucos hectares quando comparado a grandes fazendas, o terreno de Andrade termina quase na fronteira que separa a floresta em decadência da crescente área desmatada, cujas cores variam do marrom ao vermelho.
O lugar era tido como “terra de ninguém” quando Andrade o ocupou há 19 anos ao lado da mulher, que costuma andar quatro horas só para chegar ao povoado mais próximo. O fazendeiro espera que as autoridades reconheçam a terra como propriedade dele. A grilagem — a apropriação indevida de terras públicas — é uma fonte permanente de conflitos entre comunidades indígenas, grileiros e o poder público.
Ajuda ‘apenas de Deus’
O lugar em que Andrade vive não tem qualquer comunicação ou vigilância. A lei é aquela imposta pelos grandes proprietários, madeireiros e mineradores ilegais, que saqueiam a floresta Amazônica.
— Aqui, não temos apoio do governo federal nem de ninguém. Apenas de Deus. Por isso, cortamos árvores para plantar, sobreviver e alimentar as nossas criações — explica ele.
Composta de uma casa precária, a propriedade dele foi sendo desmatada ao longo dos anos e, no espaço, ele cria vacas, galinhas, porcos, patos e cavalos. Os ambientalistas acusam não só grandes proprietários, mas também pequenos agricultores , como Andrade, de se valerem da falta de controle do Estado para ampliar suas terras.
— É apenas cortar algumas árvores, esperar três meses e tirar as sementes. Se você escolher uma área deserta, é preciso limpar, queimar e fazer uma casa para viver com os filhos, porque não dá para morar no buraco de uma árvore, como se fosse uma pássaro, não é? — diz ele, às gargalhadas.
Não há qualquer menção ao fato de que os incêndios supostamente controlados da temporada de seca saem do controle e se transformam nas chamas descomunais que dominam há vários dias o noticiário de todo o mundo.
Agora, o fogo que castiga a propriedade do vizinho tem tirado o sono de Andrade.
— Estou assustado. Até pedi ajuda às autoridades para ver se elas apagam o incêndio . Caso contrário, enquanto dormimos, esse incêndio pode causar um problema muito sério. Durante o dia, vou até a cerca para ver onde está a fumaça e onde está o fogo — diz.
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