Jason Howe trabalhava como fotógrafo cobrindo a atividade das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em território colombiano quando conheceu Marilyn.
Eles se encontraram por acaso enquanto esperavam pelo mesmo ônibus e, depois disso, não desgrudaram mais.
Durante um bom tempo, o britânico ignorou os sinais de que sua namorada escondia algum segredo.
Às vezes ela desaparecia de moto no meio da noite. Muita gente parecia ter medo dela e, quando entravam em um bar, por exemplo, tinha gente que levantava da mesa e ia embora.
Eventualmente, Marilyn revelaria seu segredo: matava em nome das forças paramilitares colombianas.
Esta é uma adaptação do programa de rádio Outlook, da BBC, produzido por Andrea Kennedy.
Jason Howe já tinha rodado o mundo para registrar paisagens de diferentes países para publicações internacionais quando, no começo dos anos 2000, dediciu fazer algo diferente.
Em busca de um desafio novo, viaja à Colômbia para retratar o conflito armado entre as Farc e o governo, que se estendia já havia décadas e feito milhares de vítimas.
Sua ideia era documentar a vida dos guerrilheiros. Depois de passar por algumas cidades no interior da Colômbia, ele decidiu ir à fronteira com o Equador. Foi aí que sua vida mudou para sempre.
“Tinha que trocar de ônibus, quando vi uma moça na fila para comprar café.”
“Sorrimos um para o outro, trocamos algumas palavras e percebemos que tomaríamos o mesmo ônibus.”
Sentaram um ao lado do outro no trajeto de quatro horas e meia.
“Houve uma conexão imediata. Ela falava, ria muito.” Jason comentou que estava a caminho do território paramilitar na fronteira para contar a história do conflito por outro ângulo.
Marilyn o convidou para ficar em sua casa. Disse que seu pai tinha um bar na beira da estrada que reunia paramilitares e membros do Exército.
Naquele momento, ele não sabia que ela tinha relação com guerrilheiros. “Não tinha nenhum sinal de que ela estava conectada com os grupos.”
Marilyn ofereceu a Jason a casa de seus pais como ponto de apoio, para que o fotógrafo pudesse se estabelecer ali e viajar aos vilarejos vizinhos.
Ele demorou meses para conseguir ganhar a confiança e estabelecer uma boa relação com os comandantes dos grupos paramilitares locais. Nesse período, a relação com Marilyn foi ficando mais séria.
Ele diz que não estava apaixonado apenas por ela, mas por toda a situação. “Pela pessoa que achei que ela era. Até esse momento não tinha ideia do que ela fazia.”
O fotógrafo amava a simplicidade da vida na região e pouco a pouco conseguiu estreitar os laços com a família da namorada.
“Tinha uma boa relação com a filha dela. Quando chegava, ela gritava ‘gringo!’ e subia nas minhas costas.”
Um segredo obscuro
Apesar da boa relação, Jason decidiu se mudar para um hotel que ficava ali próximo.
Marilyn o visitava com frequência e costumava passar a noite com ele. Até um dia em que, quando acordaram, ela disse que precisava dividir um segredo.
“Revelou que era um membro ativo dos paramilitares, que antes usava uniforme e que já tinha lutado na selva.”
“Agora era parte de uma célula urbana e seu trabalho era eliminar informantes. Havia se transformado em uma assassina.”
Contou que os paramilitares a mandavam “fazer rondas”, seja para espiar ou para eliminar adversários.
“Ela tinha várias armas. Uma em casa e outras escondidas pela cidade, para não ter que passar por nenhum posto de controle armada.”
“Me disse que tinha matado gente com faca e que já tinha usado seringas para causar embolia pulmonar em algumas pessoas.”
Os corpos, segundo ela, eram desmembrados e distribuídos em lugares diferentes para dificultar a identificação.
O fotógrafo diz não ter ficado “tão chocado” no momento da confissão. “Quando você passa algum tempo em zonas de conflito, conhece gente que, à primeira vista, leva uma vida normal, mas que toma parte no conflito. Muitos deles são assassinos.”
Jason decidiu manter a relação que tinha com Marilyn.
“Todos sabemos que o conflito na Colômbia envolve assassinatos. Nesse momento não fui tão crítico, eu a via como vítima das circunstâncias.”
Passeio sinistro
Jason não tinha prestado atenção, mas Marilyn já tinha dado sinais bem claros do que fazia.
Ele se lembra de um dia em que foram a um restaurante acompanhados de um grupo de fotógrafos e um produtor local.
“Quando ela entrou, todo mundo ficou paralisado. Os empregados desapareceram. O produtor me disse que não deveria manter contato com aquela moça, que todos sabiam que ela era uma assassina.”
“Todo mundo foi embora e eu fiquei ali com ela.”
A ideia de dormir com uma assassina, ele admite, tinha um certo apelo.
“Essa é a razão que explica porque tantos filmes de assassinos são um sucesso.”
Nos filmes, muitas vezes o assassino acaba sendo retratado como herói. Esse não foi, entretanto, o caso Marilyn – sua história, aliás, ficaria ainda mais sinistra.
“Ela me contou que, depois de um tempo, já não se importava com a causa da guerrilha e que tinha passado a trabalhar por dinheiro mesmo.”
Marilyn relatou ter começado a aceitar, por exemplo, pedidos de mulheres que queriam matar a amante do marido.
Esse foi o ponto de inflexão para Jason. Ele aceitava haver justificativa para matar por uma causa, no contexto de um conflito armado. Mas, quando ela lhe disse que tinha passado a fazer só por dinheiro, as coisas mudaram.
“Comecei a me sentir incomodado. Perguntei o que ela fazia com o dinheiro.”
Ele pensava que ela poderia usá-lo para tentar mudar de vida e dar um futuro melhor para a filha. Mas não.
“Ela disse que usava pra comprar calça jeans, maquiagem, essas coisas.”
Sob a mira da arma
O fotógrafo questionou a motivação.
“Ela apontou uma arma pra mim, reclamando que eu a estava julgando. Perguntou porque eu parecia não ter medo.”
“Eu falei: ‘Me mate ou não, mas não me ameace. E se alguém pagou a você para me matar, dou o dobro’.”
“Ela baixou a arma e nunca mais tivemos esse tipo de confronto direto.”
O fotógrafo diz que não foi embora imediatamente porque aquele era um “tempo confuso”. “Mas, quando soube que matava por dinheiro, acho que isso marcou o fim. Ela deixou de ser uma pessoa com quem queria estar romanticamente.”
A confissão em frente à câmera
Jason teve a ideia de entrevistar Marilyn quando conheceu um documentarista grego na Colômbia.
Ela concordou em ser filmada com o rosto coberto. Vestindo uma balaclava, ela foi filmada respondendo a perguntas feitas pelo fotógrafo em um espanhol rudimentar.
Na gravação, ela conta como começou a participar das atividades paramilitares, como foi matar a primeira vítima e como se sentia tendo assassinado 24 ou 25 pessoas.
Chegou a reconhecer ter matado amigos e parentes, sem mostrar nenhum sinal de comoção ou arrependimento.
Finalmente o britânico foi embora da Colômbia.
“Ficamos bem. Ela me escreveu uma carta dizendo que não me esqueceria, que eu era parte da família.”
De Bagdá
“Um ano depois da última vez que a havia visto, recebi um e-mail em que ela dizia que queria se afastar do movimento paramilitar, mas que era algo difícil de fazer, que não a deixariam sair viva. Dizia que queria estudar enfermagem.”
“Quando recebi a mensagem, estava em Bagdá fazia seis meses, fotografando ataques suicidas quase todo dia. Estava traumatizado com tudo o que estava vendo, não estava emocionalmente preparado para ajudá-la. Respondi com um e-mail bem preguiçoso.”
Ele chegou a questionar a própria conduta, mas, no momento em que descobriu que ela matava “por poucas libras”, “a empatia evaporou”.
Flores no túmulo
Anos depois da partida, Jason retornou à Colômbia. Só então descobriu o que havia acontecido com Marilyn.
“Voltei à casa da família. Os olhos de seu pai se encheram de lágrimas quando me viu – ele disse que a filha tinha morrido. Fui com sua mãe colocar flores no túmulo. Fora enterrada sobre a irmã, que também fora assassinada durante o conflito, e ao lado de outra irmã de morrera de causas naturais quando ainda era bebê.”
Dias depois, uma mulher contou ao britânico as circunstâncias da morte.
“Os paramilitares a apedrejaram, acusando-a de ser uma delatora.”
A filha de Marilyn
Em 2011, enquanto fotografava operações do Exército britânico, Jason teve um colapso nervoso e decidiu encerrar sua carreira como fotógrafo de guerra.
Ele passou os sete anos seguintes vivendo em uma pequena cabana nas montanhas do sul da Espanha, longe de tudo.
Até que chegou o momento em que se sentiu preparado para voltar mais uma vez ao mundo. Foi quando recebeu uma mensagem inesperada.
“A filha de Marilyn entrou em contato comigo. Fiquei feliz que estivesse viva, que não tivesse sido vítima dos grupos armados.”
Mais que isso, a menina havia crescido e já cursava a universidade.
Ela o havia procurado em busca de respostas sobre sua mãe.
“Acho que foi uma experiência catártica para nós dois.”
Hoje, ele planeja abandonar a cabana para se dedicar a algo diferente. Está se preparando para ir a Zâmbia com sua câmera em busca de uma nova história.
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