Até hoje, nunca um país membro deixou o bloco de 28 países.
Para primeiro-ministro David Cameron, decisão é ‘sem retorno’.
Os eleitores britânicos decidem na próxima quinta-feira (23) em referendo se o país continua ou não a integrar a União Europeia (UE). Com uma disputa acirrada durante a campanha, a decisão é aguardada com interesse por toda a Europa. A votação será das 3h às 18h, pelo horário de Brasília.
Até hoje, nunca um país membro deixou a união política e econômica de 28 países, que desde seu início só tem se expandido. O referendo foi uma promessa que o primeiro-ministro David Cameron fez se vencesse as eleições parlamentares de 2015.
Apesar de ter apoiado a consulta, Cameron defende a permanência do país no bloco. “Estou absolutamente convencido de que nossa economia sofrerá se sairmos. Haverá menos crescimento e menos trabalho para os britânicos”, afirmou ele.
Cameron afirmou ainda que o referendo é uma decisão “sem retorno”, e, por isso, os cidadãos devem “pensar com muito cuidado para onde querem ir”. “Certamente o Reino Unido sobreviverá fora da UE, mas seremos piores; sofreremos economicamente.”
Opinião parecida tem o ministro britânico das Relações Exteriores, Philip Hammond, que advertiu na última segunda (20) que a saída do bloco seria “irreversível”. “A mensagem que estamos tentando passar à população britânica é que esta é uma decisão irreversível.”
Entre os defensores da saída estão os membros do partido nacionalista Ukip, em especial seu líder, Nigel Farage. Além disso, cerca de metade dos parlamentares conservadores, partido do primeiro-ministro David Cameron, também se posicionaram contra a UE.
Entre os que apoiam a saída do Reino Unido da UE também está o conservador ex-prefeito de Londres Boris Johnson, que chegou a comparar o comportamento do bloco à política adotada pelo nazista Adolf Hitler, em entrevista ao jornal “Sunday Telegraph”.
O apoio internacional mais relevante ao Brexit é o do virtual candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump. “A Europa está sendo destruída pela grande imigração, e isso é em grande parte culpa da UE”, afirmou ele.
Assassinato de deputada
A campanha acirrada envolvendo o referendo sofreu uma brusca mudança na semana passada, quando a deputada trabalhista Jo Cox, pró-permanência na UE, foi assassinada por Tommy Mair, de 52 anos, que teria vínculos com a extrema-direita.
O ataque na última quinta-feira (16) chegou a provocar a suspensão, por parte dos dois lados, de todos os eventos das campanhas. Jo Cox tinha 41 anos e era mãe de duas crianças. Ela morreu após ser baleada em Birstall, perto da cidade de Leeds.
O que é ‘Brexit’?
‘Brexit’ é a abreviação das palavras em inglês Britain (Grã-Bretanha) e exit (saída). Designa a saída do Reino Unido da União Europeia. Fazem parte do Reino Unido quatro países: Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales.
Qual é a pergunta do referendo?
Os eleitores devem responder à seguinte pergunta na cédula eleitoral: “Deve o Reino Unido permanecer como membro da União Europeia ou sair da União Europeia?”
As duas únicas respostas possíveis são “permanecer” e “sair”.
Tecnicamente, o plebiscito não é vinculante. Mas, se a proposta passar, o primeiro-ministro David Cameron estará sobre intensa pressão para implementar a vontade da maioria.
Em tese, os parlamentares também poderiam bloquear a saída do bloco, mas analistas consideram que contrariar os eleitores seria um suicídio político para muitos conservadores – que atualmente controlam o Legislativo.
‘Fim da UE?’
Na segunda-feira (13), o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, reforçou a posição dos países europeus apelando aos britânicos para ficar no bloco. “Quero fazer um apelo a todos os cidadãos britânicos – fiquem conosco”, disse Tusk.
Para Tusk, todos na União Europeia perderiam economicamente se o Reino Unido sair. “Em termos econômicos, seria uma desvantagem para todos na União Europeia, mas em primeiro lugar para o Reino Unido”, destacou o ex-premiê e historiador polonês.
“Como historiador, temo que a saída do Reino Unido possa ser o começo da destruição não apenas da UE, mas também da civilização política ocidental na sua totalidade”, disse Tusk, que acredita que referendos similares poderiam ocorrer em outros países do bloco.
Veja 13 perguntas e respostas sobre a possível saída do Reino Unido da UE
Britânicos devem decidir se ficam no bloco em referendo no dia 23.
Saída teria consequências políticas e econômicas para a região.
No próximo dia 23, os britânicos devem ir às urnas em um referendo para dizer se querem ou não permanecer na União Europeia. Motivo de divergência entre lideranças políticas na região, a questão também tem dividido a população, como mostram pesquisas de intenção de votos antes do referendo. De um lado estão os pró-saída, que acham que oReino Unido perde soberania estando sumetido às regras do bloco econômico, com poucas compensações. De outro, os que acreditam que a aliança com os países vizinhos torna a região mais poderosa.
Veja abaixo perguntas e respostas sobre o assunto:
1. O que é a União Europeia?
É uma união econômica e política formada por 28 países europeus, criada logo após a 2ª Guerra Mundial. O bloco funciona como um mercado único, com livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. Dentre esses países, 19 compartilham a moeda única – o euro. O Reino Unido não é um deles.
2. O que é o termo ‘Brexit’?
É o como passou a ser chamada a possibilidade de o Reino Unido deixar a União Europeia. A palavra é formada pela união de “Grã-Bretanha” (ilha onde ficam Inglaterra, Escócia e País de Gales) e “exit”, que significa saída em inglês.
O termo se assemelha a “Grexit”, que começou a ser usado no ano passado durante impasse sobre da dívida da Grécia, que gerou dúvidas sobre a permanência do país no bloco.
3. Quem pode sair da União Europeia é o Reino Unido ou apenas a Grã-Bretanha?
O Reino Unido. Apesar da popularidade do termo “Brexit”, a possibilidade de saída do bloco envolve não apenas a Grã-Bretanha, mas todo o Reino Unido (que inclui os países da Grã-Bretanha e também a Irlanda do Norte).
4. Quando o Reino Unido começou a fazer parte da União Europeia?
Em janeiro de 1973. A região, porém, não faz parte da zona do euro, e continua usando a libra esterlina como moeda oficial.
5. Esta é a primeira vez que o Reino Unido ameaça deixar o bloco?
Não. Em 1975, houve um referendo muito parecido com o de agora para que a população escolhesse entre sair ou continuar na União Europeia. Venceu a permanência no bloco, com 67% dos votos.
6. Como é a participação do Reino Unido no bloco?
O Reino Unido tem 73 lugares no Parlamento Europeu. Exerceu a presidência do conselho da UE cinco vezes entre 1977 e 2005. A próxima, se o país permanecer no bloco, será em 2017.
Assim como os outros países do bloco, o Reino Unido também faz contribuições financeiras à União Europeia. A quantia total arrecadada entre todos os países-membros é repartida de forma equitativa.
7. Um dos argumentos dos britânicos que são a favor da saída do bloco é de que o Reino Unido mais contribui com a UE do que recebe recursos. Isso é verdade?
Sim. Os fundos pagos pelo Reino Unido para o orçamento europeu contribuem para financiar programas e projetos em todos os países da UE. O Reino Unido também tem projetos financiados por fundos estruturais e de investimento do bloco.
No entanto, a soma da contribuição britânica com a UE é maior do que os gastos do bloco com o Reino Unido. Segundo dados da própria União Europeia, em 2014 o Reino Unido contribuiu com € 11,3 milhões à UE, o que corresponde a 0,52% de seu rendimento nacional bruto. Em contrapartida, as despesas do bloco com o país foram de € 6,9 milhões, ou 0,32% do rendimento bruto.
O professor Otto Nogami, do MBA do Insper, aponta os prejuízos internos sofridos pelo Reino Unido graças a esse “desequilíbrio monetário”, com mais saída que entrada de dinheiro no país. “Isso acaba criando uma pressão inflacionária maior, domesticamente falando”, diz.
8. Como a saída afetaria a organização da economia britânica?
Não é possível dizer com certeza como ficaria a economia britânica fora da União Europeia, embora o ministro das Finanças britânico, George Osborne, afirme que a saída do bloco implicaria em uma perda de confiança nas finanças públicas caso não seja aprovado um orçamento emergencial em seguida. ”
Haverá um grande buraco nas finanças públicas, e teríamos que aumentar impostos e cortar gastos”, disse Osborne a jornalistas no dia 15 de junho. “A única coisa pior que não aprovar um orçamento como este é lidar com a queda livre econômica ou a perda completa de confiança na habilidade do país de administrar seu dinheiro.”
O professor do curso de Relações Internacionais da FAAP Marcus Vinicius de Freitas lembra, no entanto, que o desejo de reorganização da economia pode ser justamente o fator que motiva muitos britânicos a votarem pela saída do bloco. “Existem regras da União Europeia com relação ao sistema financeiro, bancário, administração das finanças públicas. O que os britânicos questionam é que o projeto da UE não é o que eles ambicionam, ” diz o especialista.
9. Como uma eventual saída afetaria as relações comerciais do Reino Unido com países da União Europeia?
A participação na União Europeia permite que os países comprem e vendam produtos e serviços entre si sem a aplicação de taxas e impostos dentro da área comum. O Reino Unido então passaria a ter taxas diferentes no comércio exterior com os países europeus em relação às praticadas agora, podendo inclusive trocar de parceiros.
“Na UE, o que se formou foi uma união aduaneira, além de ser uma área de livre comércio e também de união tarifária em termos de comércio internacional. Isso fez com que a Inglaterra, que era importadora de carne da Austrália, por exemplo, fosse obrigada a renunciar e passar a importar do continente. Isso são os acordos comerciais, se permite o livre comércio entre os integrantes em detrimento de outros países”, explica Nogami.
“Nesse sentido, com a saída, a Inglaterra pode ter condições comerciais melhores que com seus parceiros do continente europeu. Já para a União Europeia, acaba representando ônus”, diz o professor.
10. Como ficariam as relações comerciais com outros países, incluindo o Brasil?
As negociações com países fora do bloco se tornariam mais livres, como pontua Marcus Vinicius de Freitas. “O projeto europeu não está favorecendo os britânicos em suas relações com outros países. Com uma eventual saída, eles devem adotar uma postura mais livres nas negociações com outros países, como o Brasil.”
“O Brasil se beneficiaria eventualmente, porque agora poderia exportar para os britânicos produtos primários que sofrem algum tipo de impedimento na entrada na União Europeia. A negociação passa a ser bilateral simples, com um único país”, complementa Otto Nogami.
Segundo a União Europeia, o Reino Unido exporta principalmente para os EUA, a Alemanha e os Países Baixos. Por sua vez, as suas importações vêm sobretudo da Alemanha, da China e dos EUA.
11. Como a “Brexit” pode afetar o acordo entre União Europeia eMercosul?
Freitas considera que um impasse com a saída de um membro importante do bloco retardaria ainda mais as negociações de um acordo de comércio entre União Europeia e Mercosul. “A questão entra num compasso de espera ainda maior. Entre negociar um novo acordo e resolver um problema interno, claro que a prioridade da Europa passa a ser negociar o ‘Brexit’ neste momento.”
Já Nogami afirma que as dificuldades devem seguir inalteradas. “A pendência continua da mesma maneira, porque o grande entrave nessa relação comercial é a França.”
12. Quais seriam as consequências políticas da “Brexit” para a União Europeia?
“A saída do Reino Unido teria o efeito de uma verdadeira caixa de Pandora para Europa por algumas razões. Em primeiro lugar você tem a preocupação com relação àqueles países que a gente chama de ‘nações sem Estados’, como a Escócia, que pode e querer fazer parte ainda da UE e querer se separar do Reino Unido”, diz Marcus Vinicius de Freitas. “Pode haver um problema grave com relação ao ressurgimento desses nacionalismos.” O professor aponta ainda que a saída seria um “retrocesso no projeto de integração da União Europeia”.
“A Escócia há séculos briga pela sua independência. Temos também o caso da Irlanda, que utiliza o euro e não sabemos como vai se posicionar. Fica uma situação um tanto quanto delicada”, complementa Nogami.
13. Quais seriam as consequências econômicas para o bloco?
O professor Otto Nogami afirma que uma eventual saída do Reino Unido do bloco significa a extinção de uma das bases do tripé no qual está apoiada a União Europeia.
“Toda a estrutura da UE está baseada na Alemanha, França e Reino Unido. Na medida em que se tira um deles, a estrutura fica capenga. São as três economias mais fortes e representativas, e tirar uma delas pode desestabilizar a economia da União Europeia. Todo o peso acaba recaindo sobre a Alemanha, porque hoje a França está totalmente desestabilizada. O que não se sabe é até que ponto a Alemanha teria condições de carregar todo o continente nas costas, economicamente falando.”
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