Falar sobre futebol é uma delícia. Talvez seja tão ou mais gostoso do que jogar ou assistir a uma partida do esporte mais popular do planeta. O futebol é este sucesso todo porque sempre foi o mais simples, democrático e acessível dos esportes coletivos. Nenhuma tese sobre futebol pode ser descartada. Seja ela proferida pelo Zidane, pelo Pelé ou pelo Zezinho da Vila Catacumba.
Mas noto com muita tristeza que a boa e velha resenha foi infectada pelo vírus da intolerância que ameaça a humanidade. Até mesmo no Brasil, onde houve um tempo em que era possível assistir a um jogo de futebol ao lado do amigo que torce para o time adversário e voltar para casa inteiro. Falar sobre futebol, pensar futebol também ficou perigoso. Não me refiro a perigo físico, mas a ameaças intelectuais e de posicionamento. Pensar diferente virou ofensa. Para alguém que escolheu como ganha-pão opinar sobre uma modalidade, opinar de forma diferente à do senso comum de uma autoproclamada modernidade virou crime.
Nesta semana, durante o Seleção SporTV, do André Rizek, discutimos a demissão do treinador Fernando Diniz pelo Fluminense. Quando se destacou no Audax, fui um dos muitos analistas que elogiaram as ideias de futebol propostas por Diniz. Quem duvida pode buscar nos arquivos do “Bem, Amigos!”, do Galvão Bueno, quando o treinador foi convidado. Sempre o tratei com respeito, reservando a mim o direito de opinar sobre seu trabalho.
Bastou que eu dissesse que ele até agora mostrou ideias bacanas, mas não teve resultado, para que me transformasse em alvo preferido dos arautos desta suposta modernidade que eu nunca vi o próprio Fernando Diniz defender. Apenas me referi aos números de seus trabalhos, que embasam a opinião de que uma ideia bacana ainda não rendeu frutos em campo e por vezes parece um modismo. Fui xingado em redes sociais, disseram que eu poderia acabar com a carreira do Diniz. Coisas desse calibre de insanidade.
Em meu próprio meio de atividade desenrola-se uma batalha de pensamentos e pontos de vista que, por vezes, extrapola o bom senso e foge do campo das ideias para ingressar no terreno das ofensas. Não sei quem foi o autor da proeza, mas há uma clara divisão entre os que analisam futebol hoje, sejam eles ex-jogadores ou, como eu, “gente que nunca chupou laranja com ninguém”.
Há uma corrente de gente muito boa de argumento e de caráter que parece ter decretado que o futebol pensado e proposto pelos treinadores brasileiros não serve para coisa alguma se não estiver alinhado ao que eles consideram moderno e atual. Para resumir: o jogo de bola como existe hoje foi inventado por Pep Guardiola e nada do que aconteceu antes dele tem valor. Quem pensa fora dessa casinha está velho, cheirando a mofo e perdeu o bonde da história, seja torcedor, jornalista, treinador ou dirigente.
Prefiro ver o futebol com outros olhos. Não acredito em fórmula mágica. Vejo várias possibilidades de se praticar este jogo sem que seja pela religião monoteísta da posse de bola e da troca de passes ornada por rebuscados termos acadêmicos. Para mim não há diferença entre jogar por dentro ou atuar pelo meio. Basta jogar bem.
De uns tempos para cá, parece que toda uma geração de treinadores e analistas brasileiros que passou dos 50, 60 anos caducou e não pode acrescentar mais nada ao futebol. Ao mesmo tempo, uma crítica a uma ideia de Tite, Fernando Diniz, Sampaoli, Jorge Jesus é crime passível de arder na fogueira da intelectualidade boleira. Mas se a mesma crítica for dirigida a Luxemburgo, Felipão, Abel Braga, vale qualquer arsenal de impropérios seguidos de “likes” e compartilhamentos em grupos fechados de WhatsApp.
Festejo a pluralidade de ideias e conceitos no esporte, principalmente no maior e mais importante deles. Não é o vocabulário que faz uma carreira, nem uma ideia. Renato Gaúcho é um treinador de perfil raiz, boleirão dos antigos. Mas faz do Grêmio um time atualizado, moderno, que pratica um futebol gostoso de se ver. Infelzimente, não conta com a boa vontade de alas modernas de pensamento porque, talvez, não professe a fé ou os termos das ideias que estão em acordo com o que é considerado atual do outro lado do Atlântico.
Fábio Carille é um treinador jovem que entregou resultado e melhorou jogadores em menos de cinco anos de carreira, mas por praticar um futebol de estilo menos, digamos, vistoso, não goza de prestígio equivalente aos seus números. Antônio Carlos Zago faz do Bragantino um time de frescor atual como poucos no País, mas não tem a mídia de outros colegas. Renato e Carille entregaram resultados e desempenho, muitas vezes com equipes que não tinham os melhores valores individuais daquele período. Isso sem falar em Felipão, que parece carregar para sempre a Cruz do 7 a 1, cujo peso, para alguns, supera tudo que ele ganhou em uma carreira de inegável sucesso. Goste-se ou não de seu estilo.
Torço, sinceramente, para que jovens treinadores triunfem e sejam reconhecidos, cada um com sua forma de trabalhar. Jair Ventura, Odair Helmann, Fernando Diniz, Zé Ricardo, Thiago Nunes, Antônio Carlos Zago. Assim como torço, sinceramente, para que técnicos considerados veteranos e outros que estão fora dos radares dos clubes possam ter novas oportunidades de mostrar suas ideias e seus trabalhos. Cada um no seu quadrado. Não existe verdade absoluta e nem uma única forma de se fazer, pensar e analisar o futebol.
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